quinta-feira, 7 de junho de 2012

EU NÃO SOU UM CARA SENTIMENTAL





Eu não sou um cara sentimental. Isso não quer dizer que eu não tenha sentimentos como todo mundo. Antes de me tornar o que sou, fui muitas outras coisas. Fui até poeta. Meu irmão dizia que não, que eu nunca passei de um poeteiro. Um poeteiro pretensioso. Não que ele entendesse alguma coisa sobre poesia, mas ainda assim ele poderia estar certo. Mas ainda que eu nunca tenha tocado a poesia, ela sempre deu um jeito de me alcançar. Como a luz do sol que, pela manhã, procura frestas na persiana até me acordar. Vou repetir: eu não sou um cara sentimental. Mas para que negar o óbvio? Eu tenho sentimentos, até demais. E se de dia as responsabilidades os mantém trancados em algum porão, à noite eles escapam e correm pelas ruas ou pelo teclado do laptop num frenético safari. É que sentimentos são vorazes predadores que se alimentam de gente solitária, como eu próprio. Ah, e como se saciam, os danados! Quando eu era jovem acreditava que eles eram apenas metáforas, mas a medida que envelheci percebi que são concretos como um bloco de mármore, ou uma faca de açougueiro. Para complicar as pessoas quase nunca têm a mesma percepção sobre um determinado sentimento. O amor, por exemplo, está longe de ser o sentimento idealizado pelo cinema ou pela literatura. O amor é uma classificação genérica para uma uma penca de sentimentos. Ah, se tivéssemos a coragem de denominá-los adequadamente ! Principalmente, se conseguíssimos escutar outra coisa ao invés de "eu te amo", sem que nosso mundinho se rompesse em mil pedaços. Perdoe se insisto: Eu não sou um cara sentimental. E meus sentimentos não são melhores do que os de qualquer um. Muitas vezes, inclusive, são piores. Mas se dizem que não tenho coração sou obrigado a discordar. Porque mesmo pulsilâmine, é ele o órgão que melhor me traduz. Com suas cavidades e válvulas arrastando os sangues bom e ruim para seus destinos. Mesmo que seja impossível decidir se o bom é o que leva o oxigênio fresco ou o que traz o gás consumido. Como o amor e ódio, que se complementam e ajudam a me definir. Alguém me disse, numa ocasião, que para amar é preciso, certas vezes deixar o amor transmutar-se em ódio. Um ódio puro, intransitivo, sem desdobramentos. Se isso procede então estou apto a me tornar um grande amante. E nem me lamento se isso não faz de mim uma pessoa boa. É que as pessoas "boas" que conheci se orgulhavam tanto dos seus sentimentos e intenções! Diziam que o mal estava nos outros e no mundo. Nunca decidi se eram apenas hipócritas ou se realmente ignoravam o óbvio: o Mal vive em nós e somente em nós. E em cada um de nós, sem exceção. Por favor não se esqueça, eu não sou um cara sentimental. Absolutamente.
Quando minha voz sai embolada não é de emoção por ter assistido o fofíssimo comercial de margarina cheio de crianças e cachorros. E nem porque sofri um tardio arrebatamento pelas "coisas simples da vida". Provavelmente, bebi demais. Ou então, é culpa da poesia.

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