domingo, 10 de junho de 2012

NÃO, OBRIGADA



Vivemos fazendo ruídos. Choramos, rimos, gememos, fungamos, espirramos, assoamos o nariz, assoviamos, pigarreamos, tossimos, cuspimos.
Respiramos.
Trincamos nossos dentes, estalamos articulações, nos coçamos, arranhamos. E, é claro, cometemos toda a série de ruídos escatológicos.
Também arrastamos cadeiras, quebramos copos, ligamos máquinas, inventamos e tocamos instrumentos, abrimos gavetas, fechamos portas, lançamos foguetes, derrubamos muros, puxamos gatilhos e explodimos bombas. Ocasionalmente esbarramos em outras pessoas que, como nós, também fazem ruídos.
Mas principalmente falamos. E nada é mais inútil. Nada produz mais enganos. Ou mentiras. Tenho certeza que os surdos mudos mentem menos. Falar é uma terrível facilidade. A oportunidade que faltava para o criminoso em potencial. A mutação que nos tirou a chance de salvação.
Agora, só falo o absolutamente necessário. Prefiro me comunicar por e-mail. Uso o celular apenas para enviar e receber mensagens. Evito contatos com quem não posso me desvencilhar dessa ridícula convenção. Não ando mais de elevador, por exemplo, ou tomo táxis. Para quê? Para ter que escutar: “será que vai chover?” Não, obrigada. Ou então ter que desejar “bom dia” se o que quero é um pandemônio?
Minha mãe pensa que é uma fase, meu pai finge que não vê. Eles não se vangloriavam da sua precoce leitora de Kant? Não me criaram para que eu conquistasse meu livre arbítrio? Pois é isso que quero fazer dele. Que contem aos seus ridículos amigos, nos jantares de sábado, da mesma forma que faziam quando eu recitava Fernando Pessoa.
Abrir a caixa de Pandora ainda cobra o seu tributo.
Antônia diz que essa é mais uma esquisitice minha. Pode ser. Mas que moral ela tem para me criticar? Cansei de vê-la dispensar um lugar recém desocupado no metrô lotado só para não sentir a quentura que ficou no assento. “- É nojento. Aquele calor invade a gente pelos fundilhos, aposto que as bactérias vem junto”. Depois  numa festa, beija oito ou nove carinhas que nunca viu, e não vê falta de higiene nisso.

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