sexta-feira, 15 de junho de 2012

NÊMESIS


Os títulos dos livros de Philip Roth não entregam tudo de uma vez. Eu gosto disso! Gosto de vislumbrar as camadas que vão se descortinando a cada página, a cada capítulo, a cada leitura. Como  ilusionista habilidoso que é, Roth faz o truque render, instiga a platéia tentar adivinhar seus segredos.
Em O Animal Agonizante (2006), logo de cara somos levados a pensar que o título se refere ao personagem principal, o professor de História da Arte David Kepesh. Sua paixão por uma mulher extremamente bonita e bem mais jovem, traz à sua vida, outrora livre de compromissos e principalmente de imperativos emocionais, dilemas que ele não podia imaginar e muito menos enfrentar. Porém, a medida que a história se desenvolve, outras suspeitos aparecem, já que há a morte (sofrida) do seu melhor amigo, e finalmente a terrível revelação de que a mulher tem uma doença gravíssima.
Quase ao final das 127 páginas que compõe o romance (sim, isso tudo se passa em apenas 127 páginas) percebemos que somos nós, todos nós, de uma forma ou de outra, animais agonizantes. Independentemente de nossa idade, saúde (ou falta dela), medos e até coragens!

Em Nêmesis (2011), seu último romance, não é diferente. Vejamos o que a consulta ao Google revela:

Nêmesis é uma palavra em latim que significa uma fonte de dano ou ruína,
Um oponente que não pode ser batido ou ser superado,
O que inflige retribuição ou vingança,
Um rival formidável e normalmente vitorioso,
Algo que uma pessoa não pode conquistar, alcançar. Exemplo: o teste de desempenho provou ser meu nêmesis.
Na mitologia grega Nêmesis é a deusa da justiça ou da vingança.

Bem, estamos em 1944, num subúrbio da pacata Newark, a poliomielite ainda não tem cura e um surto dessa doença ameaça aquela população mais do que a própria segunda guerra, a essa altura, perto do fim. Conhecemos Eugene “Buck” Cantor, 23 anos, professor de educação física, atleta vigoroso, rapaz de excelente caráter e de bom coração.
Percebemos que a tragédia se abaterá sobre ele mas não sabemos ainda como. Buck vai ser colocado à prova mas por que algoz? Indícios são dados e suprimidos. Seu rival ora é a pólio que atinge as crianças da comunidade e ameaça seu vigor físico, ora é sua vergonha por ter sido preterido no alistamento militar devido à uma severa miopia. Num certo momento é o próprio Deus (ou pelo menos é isso que ele acredita).

Buck tenta fugir do seu destino retirando-se para a idílica Indian Hill, uma colônia de férias, afastada da cidade e da doença. Lá, faz amor com sua noiva, sobre cascas de bétula, como se fossem Adão e Eva. Lá, Buck salta do trampolim como o Tarzan de Johnny Weissmuller. Os mitos do paraíso na terra e do bom selvagem (principalmente e explicitamente o do índio norte americano) são evocados para em seguida serem habilmente destroçados pelo autor.

Página após página o pobre Buck vai permutando as certezas de fazer o certo por dúvidas, dúvidas por culpa, até que finalmente a culpa passa a ser sua nova certeza. Ele, que perdera a mãe no parto, mas que até ali convivera com esse fato bastante bem, não pode mais conceber uma tragédia sem culpado. E como o Deus que ele questiona não se encaixa no modelo pra tanto mal, ele próprio se coloca disponível para sê-lo.

No todo é um romance envolvente, mas confesso, ressenti que a transição para o final foi rápida demais (aliás, fato que observei também nos três outros volumes dessa tetralogia que trata de muitas coisas mas principalmente do enfrentamento da finitude).

Não pude deixar de notar como, em vários momentos, Roth saboreia a expressão “pátio de recreio”, local onde ocorre o estopim da trama. Exatamente como Charles Bukowski fez em vários de seus textos, principalmente em Kid Foguete no Matadouro  onde temos:
“Saí, atravessei a rua, entrei num bar mexicano, tomei cerveja, depois peguei o ônibus. Tinha sido novamente derrotado pelo pátio de recreio das escolas americanas”.
Cá entre nós? Essa daria uma bela epígrafe ao Nêmesis de Roth.

Um comentário:

  1. Adorei a resenha e gostaria que você explicasse o tal do "pátio do recreio", como isso aparece no romance.
    Quanto ao livro: ótimo romance, incrível como Roth vem se mantendo num pico de criatividade deslumbrante. O que me desagradou, aqui, nem foi a repentina transição para o final, mas o excesso de pistas que o narrador fornece acerca da iminência da tragédia que estava para se abater sobre o nosso herói.
    Mesmo assim, é uma obra magistral.

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