segunda-feira, 3 de setembro de 2012

PERFEIÇÃO, PERFEIÇÃO


Perfeição, perfeição  (Introdução)


Retorno aos meus enigmas
esses de todas as horas
a luta pelo pão
a vontade de ir embora.

Retorno aos meus enigmas
e descubro raivas antigas
invejas impublicáveis
da carne, da alma, da vida.

Retorno aos meus enigmas
e não aprendi a lição
comê-los com gana e fúria,
nunca com compaixão.

Retorno aos meus enigmas
mas os males persistem.
Pior do que não dormir à noite
é viver o dia após dia.


Perfeição, perfeição

Todos os vestígios
nesta minha máscara mortuária
fazem saber que fui o seduzido
e jamais o sedutor.
Me saciei com a facilidade
do consumo “fast”,
e não percebi
o quanto era digerido.
Domínio, nunca tive
algum inconformismo, talvez
(ainda que sem qualquer atitude reparadora).

Sobre mim, na carne projetados,
horizontes repletos de ausência.
Panfletando a doutrina de ser
menos amado que amante,
mais um vencido que vencedor,
encho a casa de gente.
Preciso demais dos ruídos e do lixo
que se produz no fim da festa,
e que dão certidão a esse lugar.
Esvazio as gavetas,
rasgo cartas, fotografias
apago uma a uma
as mensagens no computador,
os recados na secretária.

A pele está fria.           
Ela que já foi energia,
febre da tarde,
agoniza.
A voz rouca de insistir.
Mas os gritos não só foram inúteis,
como deflagraram o grande silêncio.
É numa espécie de precipício,
como aqueles dos sonhos maus
de quando éramos crianças,
que quase despenco.

O tragicômico é que nem ligo.
Fotografo com meus olhos de ladrão de paisagens
o mar da tarde.
No Leblon, tudo permanece imutável
inclusive eu,
farsante sem cúmplice,
exilado em minha própria agonia e cidade.
Cansado demais para perceber
que certas utopias renascem
onde, ontem mesmo,
foram dilaceradas.

No circuito dessa insônia
que já dura quarenta e cinco horas,
percorro as livrarias e as bancas chiques
mas tudo já foi lido ou não tem importância.

As dores nas ruas são maiores
do que as nossas.
Ao menos parecem.

Um homem grita um blá blá blá religioso.
Ele sabe o que faz
e não se importa com os olhares de desprezo
que lhe são lançados.
Quer mudar o mundo.
Tenho vontade de chamá-lo para um café.
Tenho vontade de chutar-lhe o traseiro.
Cumprida a missão de desejar-lhe mal,
me arrependo
mas é só.

O moderno é um labirinto
e o contemporâneo, o caos absoluto.
Digiro essas bobagens lidas
num catálogo de exposição de pintura
enquanto resolvo se vou de um “pf” num boteco
ou de sandwich no “Mc”.
Decido por uma cerveja já que tem jogo passando
nas tevês da loja de eletrodomésticos.

Uma nuvem opaca,
minha companheira frequente,
se dissipa lentamente.
Ou vai pousar sobre outra cabeça.
O lento tem habilidade e o veloz não sabe lançar.

Fecha-se outro ciclo.
Tudo parece longe demais para me incomodar.
O sono começa a querer.
As vendas que me cobrem os olhos
vão ficando transparentes
e o nós, mais frouxos, coroam a paciência.
Somos a cobra que morde o próprio rabo
e se equilibra.

Nenhum filho desta terra pensa em suicídio
depois de uma caminhada pela Lagoa
no domingo de manhã.
É que há uma coleção imensa de motivos:
O sol aconchegante, o ar fresco,
crianças correndo,
ciclistas passeando,
coco gelado, e quem sabe,
um pulo na praia mais tarde ?
Isso nos redime.
Saber gozar os dias
mesmo quando as noites foram ferinas.
Essa é a verdadeira libertação.

O homem de preto deixou todos os demais insatisfeitos.
Uma briga começa.
Compro outra cerveja e vou andando.
Está escrito na minha cara que desisti
das coisas certinhas,
emprego, benefícios,
férias remuneradas,
do despertador às dez para às seis?
Por onde andarão os companheiros de chorinho?
Quanta saudade!
Os discos novos escutados mil vezes
tentando tirar de ouvido.
Quando aparecia uma partitura, que festa.
Os finais de semana ensaiando no sítio,
as primeiras apresentações.
De repente tudo desandou.
O Evandro saiu do ar
e a gente foi desanimando
até parar.

As casas há muito demolidas
permanecem nas fotografias
e nos pensamentos.
Velhos jogam cartas e falam do passado.
Apareço e sou saudado como o neto pródigo.
Convido-os para uma pescaria
mas não se animam.
Vovô levanta as sobrancelhas agradecendo
e pedindo que eu desista.
São homens cansados.
Beijo a todos e cruzo a praça
pensando se a idéia que subverte a ordem
mais nos corrói ou nos alenta.

Famílias inteiras dormem debaixo do viaduto
e o ônibus passa rente, jogando fumaça.
Não mate a mosca que repousa na cabeça do tigre.
Observo a pressa nos olhos
dos que dirigem seus automóveis pela avenida.

Deixei penetrar na cabeça
o som dos pássaros
que ainda sobrevivem na cidade.
Em contrapartida,
puxei o plug do telefone e cortei minhas conexões.
Desfiz todos os elos com as perspectivas tecno-tec.

Ela nunca me deu
o perdão que nunca pedi.
E por isso nunca pudemos voltar a ter
uma conversa civilizada.

Por que acho que as mãos de Carmem
reencarnaram em Marisa ?

Quanta perfeição !
Quanta perfeição sobra nesse mundo !
O que falta é tempo para saber.

Fecho a nota de meus erros e acertos
conto, refaço, mas o saldo é sempre zero.
Mais do que esperei
mas menos do que qualquer um de nós
está pronto a admitir.

Será esse o objetivo do jogo ?

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